quinta-feira, 25 de abril de 2013

A BUSCA PELO GENE DA SUPERDOTAÇÃO


"Se a água é transparente, por que ela faz sombra?" 
Esta pergunta foi feita por um menino de apenas dois anos e meio. Pensamento crítico mais desenvolvido, vocabulários maiores do que a média, maior interesse na área de ciências, criatividade e originalidade, ser o melhor aluno e, às vezes, o pior, são alguns dos sinais que tornam algumas crianças diferentes de seus colegas. Muitas delas são frequentemente "convidadas" a deixar a escola, passam por avaliações de diversos especialistas até descobrir que são, na verdade, portadoras de altas habilidades ou superdotadas. Embora poucas pessoas saibam disso, boa parte dessas crianças não é identificada antes de apresentar problemas em sala de aula. Situações que, muitas vezes, ocasionam prejuízos emocionais e sub-aproveitamento do seu potencial. Ao mesmo tempo, pouco se conhece da relação entre genética e superdotação. A idéia de um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, é demonstrar que existem fatores genéticos por trás da superdotação.

"Quando fazemos a avaliação de uma pessoa com altas habilidades ou superdotada (PAH/SD), geralmente ela relata parentes próximos que também apresentam altas habilidades, não necessariamente na mesma área. Isso indicaria que há uma carga genética, transmitida de forma hereditária", afirma Susana Graciela Pérez Barrera Pérez, presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação (ConBraSD). A superdotação, entretanto, envolve três grupos de traços: habilidade acima da média em uma ou mais áreas; comprometimento com a tarefa e criatividade e, segundo Susana, normalmente essa carga genética tem a ver com o primeiro grupamento de traços – uma capacidade acima da média. Os outros dois grupamentos e parte do primeiro são fortemente influenciados pelo ambiente, pelas oportunidades que surgem durante a vida e que podem estimular o desenvolvimento daquela capacidade.

QUANTO MAIS CEDO MELHOR
A confirmação da mutação genética para superdotação não eliminaria a necessidade da realização de outros diagnósticos, mas pode mudar o enfoque em relação a essa característica. "Da mesma forma que ocorreu com a dislexia e o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, a superdotação deixaria de ser vista como um problema de culpa dos pais ou das crianças para ser encarada como mais uma característica individual", argumenta Lara Cristina Antunes dos Santos, neuropediatra do Ambulatório de Desvios da Aprendizagem, do Hospital das Clínicas, da Unesp de Botucatu. Segundo ela, seria um modo de eliminar idéias equivocadas como a de que crianças são superdotadas porque foram muito estimuladas. "Há casos de pais que não deixam o filho aprender a ler antes da idade escolar para que, posteriormente, não fique entediado na escola. Outros ainda se culpam por não terem conseguido 'segurar' a criança, associando esse fato ao comportamento inadequado em sala de aula", conta.

A comparação da relação de uma mutação gênica com a superdotação também pode colaborar para a indicação precoce de qual criança será submetida à avaliação neuropsicológica, o que, para Lara Cristina, pode proporcionar melhor qualidade de vida para a criança e mais tranquilidade para sua família e escola. "Concluída a avaliação, poderíamos estabelecer estratégias para lidar com essas pessoas para que possam desenvolver seu potencial de forma adequada e o mais precocemente possível, antes que se instalem problemas", defende. A pesquisadora acredita que essas crianças são diferentes, nem melhores, nem piores que as outras. "Entender como se dá seu processo de aprendizagem, saber o modo como elas vêem o mundo e as pessoas ao seu redor, pode economizar sofrimento de todas as partes envolvidas", enfatiza.

DESFAZENDO MITOS 

O imaginário popular e a ficção criam mitos que envolvem alunos com altas habilidades, e acabam dificultando o encaminhamento destes para um atendimento especializado. De acordo com artigo publicado na Revista Brasileira de Educação Especial (Vol.11, n.2, 2005), das pedagogas Andréia Jaqueline Devalle Rech e Sonia Napoleão Freitas, muitos professores, por desconhecimento, acreditam que essas crianças dão conta do processo de educação e não necessitam de educação especial. Além disso, existe a crença de que esses alunos possuem habilidade superior em todas as áreas. Entretanto, a maioria se desenvolve apenas em uma área específica, como ciências, artes ou esportes.

Os superdotados representam cerca de 2% da população em geral, levando em conta apenas habilidades intelectuais e acadêmicas que podem ser medidas por meio dos famosos testes de QI. Esses testes medem uma estreita gama de habilidades, principalmente a facilidade com a linguagem e números. Há poucas evidências de que a superdotação em áreas não-acadêmicas, como artes e música, requeiram um QI excepcional. Assim, há uma parcela da população que não está nas estatísticas.
Por se tratar de genética do comportamento, a proposta do estudo de pesquisadores da Unesp aguarda aprovação do Conselho Nacional de Saúde (Conep). Por enquanto, está em andamento uma avaliação multidisciplinar e testes neuropsicológicos em crianças e adolescentes, encaminhados ao Ambulatório de Desvios de Aprendizagem por apresentarem algum tipo de desajuste escolar (comportamento ou performance acadêmica). Para vários deles, o diagnóstico indica que são portadores de altas habilidades. A pesquisa pretende identificar a relação entre polimorfismos do gene SNAP-25 e a habilidade cognitiva geral, ou superdotação em crianças brasileiras e a possível utilização desses polimorfismos para detecção dos superdotados. O estudo será feito em dois grupos: 50 pessoas com QI normal e 50 consideradas superdotadas. "O superdotado merece, como qualquer criança portadora de um desvio de aprendizagem, atenção, atendimento especializado e disponibilidade de estratégias que favoreçam sua inclusão", diz Lara Cristina. Com ela concorda Susana Peréz, que defende a necessidade de uma visão integral das pessoas com altas habilidades, incluindo seus sentimentos, emoções, medos e dificuldades. "É necessário que as políticas públicas providenciem ações também nas áreas da cultura, do lazer, do trabalho, da assistência social e da saúde para essas pessoas", completa. 

Patrícia Mariuzzo

Fonte: Ciencia e Cultura vol.61 no.1 São Paulo  2009.

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